Laisa Sampaio, irmã de Maria do Espírito Santo

Do assassinato de sua irmã e de seu cunhado, disse ela:

"Soube que tinha havido um tiroteio, e havia rumores de que era José Cláudio". Fui rapidamente até onde tinha acontecido e vi o corpo de Cláudio e por um momento pensei que Maria não estava lá, que ela estava a salvo". Mas eu sabia que eles eram inseparáveis e sempre andavam juntos na motocicleta. Vi um rastro de sangue e o segui até as árvores. Eu vi uma mão com um buraco de bala através dela. Eu sabia que era Maria, porque ela sempre envolvia seus braços em torno de Cláudio na motocicleta".

Ancião da comunidade de Baião

Próximo ao local do primeiro Massacre de Baião, há um pequeno assentamento. É um exemplo do que a vida deve ser para as populações tradicionais. O Brasil não tem falta de terra.

O patriarca desta pequena comunidade conhecia as três vítimas que foram executadas e queimadas. O líder da comunidade anterior também foi assassinado nas proximidades. Tudo o que eles pedem são os mesmos direitos oferecidos aos ricos proprietários de terras. E para viverem livres de ameaças. Tudo o que eles desejam é justiça.

Manoel Gomes Pereira, Associação dos Trabalhadores Sem Terra

Manoel não fazia parte da comunidade na época. Mas sua antecessora, Jane Júlia de Almeida, foi morta no massacre de Pau D'Arco. Na busca por justiça, ele admite que substituir Jane Júlia de Almeida acarreta riscos, semelhantes aos enfrentados por todos os líderes comunitários que enfrentam os agricultores e os ruralistas.

Raimunda Santos, mãe de defensores ambientais assassinados

Após o assassinato de seu filho, José Cláudio Ribeiro da Silva e sua esposa Maria do Espírito Santo, junto com outras mulheres da família, Raimunda mobilizou-se em sua busca por justiça. Elas estão na vanguarda do movimento para levar à justiça aqueles que assassinaram seus familiares. Ao mesmo tempo, elas lutam pelos direitos dos defensores da terra em todo o Brasil. Apesar das contínuas ameaças de morte que recebem, continuam preparadas para morrer para dar voz àqueles que já pereceram protegendo a floresta.

José Vargas Sobrinho Junior, Advogado de Direitos Humanos

José Vargas foi ameaçado por seus esforços em busca da responsabilização dos autores do massacre de Pau D'Arco. Ele está atualmente sob prisão domiciliar tendo sido injustamente "incriminado" pela polícia. Vive com sua esposa e duas filhas jovens.

Ele continua a enfrentar ameaças e represálias: uma bomba foi plantada em seu escritório; uma manhã ele acordou para encontrar os corpos de seus cães abatidos em seu jardim; os móveis do jardim mudam de posição durante a noite. Atos claramente concebidos para o fim de intimidá-lo e desencorajá-lo.

Perguntado sobre a sentença que receberia se fosse considerado culpado, ele disse: "Não perguntei a meu advogado". Tenho muito medo de saber". Mas se bem me lembro da minha formação, é entre 12 e 30 anos".

Líder comunitário de Baião

O novo líder da comunidade que suportou a tragédia do massacre de Baião, sabe bem que sua vida está constantemente ameaçada. Houve seis assassinatos que aconteceram durante várias horas em 2019, quando o antigo líder da comunidade também foi assassinado. O novo líder da comunidade sempre carrega uma arma e uma faca quando viaja. É sua única proteção.

Despejo de Eldorado dos Carajás, líder comunitário

No Brasil, a ideia é se você matar o líder, a comunidade perderá sua vontade e partirá. Quando uma milícia alugada invadiu suas terras, era ela que eles estavam procurando. Enquanto ela se escondia, seus agressores gritavam que estavam com seu filho e que se ela não se entregasse, eles trancariam a criança em um carro e a incendiariam. Felizmente, outro colono conseguiu agarrar a criança e fugir. Uma hora a milícia foi embora. Mãe e filho viveram para ver outro dia.

Mas o trauma continua vivo.

As informações contidas nesta plataforma são uma compilação dos crimes cometidos na Amazônia brasileira contra Usuários de Terras Rurais e seus Defensores no período compreendido entre 2011-2021. Ela expõe um curso de conduta envolvendo a prática de múltiplos atos previstos no artigo 7(1) do Estatuto de Roma, ou seja, assassinato, perseguição e outros atos desumanos. Concatenados por uma política criminosa abrangente, estes atos podem perfazer crimes contra a humanidade. Esta plataforma concentra-se nas duas principais fontes de dados sobre crimes – a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Global Witness.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT)

Os conflitos que ocorrem no âmbito da luta pela posse de territórios rurais têm sido uma característica constante da história brasileira que remonta à era colonial. Desde sua criação em 1975, a Comissão Pastoral da Terra vem documentando os conflitos no campo brasileiro e a violência sistêmica contra os “trabalhadores da terra”, um termo que engloba várias categorias distintas de camponeses que vivem em áreas rurais e cuja sobrevivência e dignidade depende do uso da terra e/ou da água na região. A CPT monitora conflitos relacionados às seguintes categorias de indivíduos: quilombolas, colonos, sem-terra, posseiros, pequenos proprietários de terras, parleiros, pequenos inquilinos, mineiros, caiçaras, faxinalenses, geraizeiros, marisqueiros, pescadores, aposentados, pescadores artesanais e outros ribeirinhos, seringueiros, vazanteiros e extrativistas (castanheiros, palmeireiros, quebradeiras de coco babaçu). Na Comunicação, estes grupos são referidos coletivamente como Usuários de Terras Rurais.

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José Batista Afonso, advogado CPT, Marabá, Pará, 2021.

“Registramos mais de 900 assassinatos de trabalhadores rurais, somente no Pará. Em 98% a 99% dos casos, prevaleceu a impunidade.”

Enquanto várias organizações como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) do Brasil se concentram exclusivamente nos direitos dos povos indígenas, o CPT é a única entidade a realizar uma extensa pesquisa sobre todos os conflitos fundiários em nível nacional – independentemente do perfil das vítimas. Ao longo dos anos, criou as mais importantes e abrangentes coletas de dados sobre os direitos e lutas dos trabalhadores nas florestas e cursos d'água do Brasil.

No período de 10 anos compreendido entre 2011-2021, ocorreram 10.293 conflitos pela posse de territórios rurais (conflitos fundiários) registrados pela CPT. Abaixo um quadro ilustrativo dos conflitos, com exemplos selecionados de atos ou políticas implementadas pela “Rede”.

CONFLITO POR TERRAS

CRIMES CONTRA A HUMANIDADE

Desde 1985, a CPT publica seus dados em um relatório anual impresso intitulado Conflitos no Campo - Brasil. As evidências demonstram que, no período entre 2011 a 2021, ocorreu uma quantidade enorme de "violências contra pessoas" e "violências contra ocupação e posse de terras”, no âmbito de mais de 10.000 conflitos relacionados à terra e mais de 2.000 conflitos relacionados à água.

Os atos criminosos podem ser subdivididos em cinco categorias de crimes contra Usuários de Terras Rurais e seus Defensores:

a. Os massacres específicos (com múltiplas vítimas de assassinatos) em Baião, Estado do Pará, em 2019; Colniza, Estado do Mato Grosso, em 2017; e Pau d'Arco, Estado do Pará, em 2017;

b. Os grupos sistematicamente visados por períodos maiores, incluindo a violência sistemática contra: o Povo Guarani-Kaiowá, Mato Grosso do Sul, de 2011-2021; os 'Guardiões da Floresta', Estado do Maranhão, de 2013-2020 (incluindo os Guardiões Governador, Tenetehara e Guajajara); o Povo Gamela, Estado do Maranhão, em 2017; o Povo Uru-Eu-Wau-Wau, Estado de Rondônia, de 2019-2020; e o Povo Mundukuru, Estados do Pará e Amazonas, de 2019-2021;

c. Os pontos nevrálgicos de violência de Areia, Estado do Pará, de 2011-2018; Alto Turiaçu, Estado do Maranhão, de 2014-2018; Projeto Terra Nossa de Desenvolvimento Sustentável, Estado do Pará, de 2017-2018; e Anapu, Estado do Pará, de 2018-2020;

d. O ataque a usuários de terras rurais e defensores específicos em todo o país, como por exemplo o assassinato de José Cláudio Ribeiro da Silva e sua esposa Maria do Espírito Santo da Silva, em Nova Ipixuna, Estado do Pará, em 2011; e

e. Violência e intimidação contra funcionários públicos - eles próprios 'Defensores' quando agem no interesse dos 'Usuários de terras rurais' - incluindo agentes do ICMBio, IBAMA, e FUNAI.

Os infográficos a seguir ilustram estes crimes.

VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA

assassinatos
mortos em consequência
tortura
tentativas de assassinato
agressão
prisão
ameaças de morte

VIOLÊNCIA CONTRA OCUPAÇÃO E POSSE

expulsões/despejos
destruições
ameaças

O mapa mostra a violência contra pessoas e violência contra ocupação e posse, documentadas pela CPT para cada município da Amazônia Legal em um período de 10 anos, de 2011 a 2021.

Estes crimes ocorrem sob o conceito mais amplo de "invasão de terras". As três principais áreas geográficas em termos de conflito geral são os Estados do Pará, Maranhão e Mato Grosso. A maioria dos conflitos envolve agricultores, empresários, madeireiros, o governo federal e empresas de mineração. Os cinco principais grupos de vítimas são os sem-terra, ocupantes ilegais (posseiros), grupos indígenas, quilombolas e assentados (ocupantes cujos direitos estão em processo de regularização).

ASSASSINATO DE DEFENSORES DO MEIO AMBIENTE

A Global Witness ('GW') tem acompanhado a situação de defensores da terra por mais de uma década (desde 2002). A GW tem se concentrado especificamente "no custo humano da intensificação da luta por terras e florestas". Usando uma métrica diferente, mas complementar à da CPT, os dados da GW incluem "aqueles mortos em ataques direcionados e confrontos violentos em decorrência de protestos, investigações ou reclamações contra operações de mineração, extração de madeira, agricultura intensiva incluindo pecuária, plantações de árvores, barragens hidrelétricas, desenvolvimento urbano e caça furtiva" (referidos coletivamente na Comunicação como Defensores). A GW publica seu respeitado relatório anual sobre o assunto desde 2012. GW confia nos dados da CPT.

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Dom Phillips e Bruno Araújo Pereira. Crédito: twitter.

A título de exemplo, em junho de 2022, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira foram assassinados. Eles desapareceram durante uma viagem de barco de Atalaia do Norte, uma cidade ribeirinha que serve como ponto de entrada para a Terra Indígena Vale do Javari, perto da fronteira do Brasil com o Peru. Alguns dias depois, os dois corpos foram encontrados e identificados por agentes policiais. O pescador Amarildo de Oliveira, seu irmão Oseney de Oliveira e Jefferson da Silva Lima, confessaram a participação no crime e estão presos. Cinco outros suspeitos - possivelmente ligados à caça e pesca ilegais dentro de terras indígenas - também estão sendo investigados. A polícia investiga o possível envolvimento do crime organizado que opera na região no duplo assassinato.